Thursday, November 30, 2006

neblina.

Ele ainda nao se sentia parte da cidade. Andava, sempre à noite, deixava o portao e a segurança de casa para romper o escuro. Nao reconhecia os predios, as pessoas, perdia-se nas ruas labirinticas, cruzava os parques mas via pouco, a nevoa estava sempre acariciando os olhos. As maos se mexiam dentro do bolso, o andar rapido e o barulho do casaco pareciam inaudiveis pra quem estava longe. Na primeira semana contemplava tudo, a diferença da arquitetura, as arvores diferentes, os parques tantos e os carros, ah os carros fodidos, que ele ate parava para olhar melhor, achava estranho um carro daqueles estar parado na rua escura e deserta. Avança a madrugada e correm as esquinas, e um barulho quebra a ordem dos passos e pensamentos: o celular toca, chamada desconhecida. Do outro lado la linha tem a gritaria, festa, musica: Vem pra ca!! Ele nao responde por alguns instantes, depois diz que vai. Nao quer ir, a cabeça fervilhante pede o frio das ruas. Ele escolhe o quente. Mais algumas esquinas, bancos com pessoas bebendo, casais na rua, troca de olhares, as pessoas passam por ele como estatuas, ele chega na frente de uma discoteca. Esta cheia, descem do carro pessoas rindo, bebadas. Mostra a identidade, estrangeiro, ele mesmo olha de novo, quer se reconhecer em um cartao com foto e algumas informaçoes. Nao consegue. Sobe escadas, a musica começa a encher os ouvidos. Chega numa pista cheia, que parece pular alegre junta mas tem respingos de melancolia: aos cantos se veem os bebados fixados nas bolhas que produzem nos proprios copos. Procura rostos conhecidos, hà muito ele anseia ve-los. Se destaca da multidao um rosto feminino, traços leves, cabelos loiros cacheados. Ela sorri, vem ao encontro dele. O abraço forte quase arranca o frio da sua carne, mas agora é tarde. Ele sorri também, começa a abraçar os outros, paracem felizes em ve-lo. Algumas poucas palavras expelidas bastam para se adaptar. Deixa o casaco no sofa e vai ate o bar. A vodka, ainda nao gelada, desce queimando a garganta, e por alguns momentos experimenta pensar nada, so levado pela musica repetitiva e sentindo o alcool espalhar-se pelo seu corpo. Agora anda de volta, os passos sao pesados, presta mais atençao no barulho do casaco. Sua ultima lembrança é o corpo se mexendo displiscente e a visao embriagada pelas luzes piscantes. O frio é muito forte, chove uma chuva fina que lava seu rosto vermelho. Os dedos vao riscando as paredes dos predios, das igrejas centenarias que se espalham pela cidade, ainda na tentativa de se sentir parte dela, de entrar nas visceras da cidade que nao o chamou. Lembrou de uma frase, riu sozinho lembrando dela, enquanto em cada esquina caia um pouco de si. Mais algumas esquinas ateh chegar em casa, irreconhecivel e vazio, com a certeza estranha de que flertar com aquela noite o tinha mudado.

"Só nao pode ser preso, morrer ou dar o cu"

Li esta frase no blog do nosso grande amigo Bigode e me lembrei de uma história...

Sabe aquele seu amigo descolado, que vc nem conversa com ele direito, mas qdo quer ir pra balada liga pro cara que ele te arruma uns VIP? Entao, este sou eu aqui em Madrid.

Comecei minha carreira cedo, organizando churrasco de Toscana da pior qualidade, pao, vinagrete e molho vermelho, lá no Barretao. Depois passei pro alcatra, picanha e cheguei até a costela de boi. Aquele costelao bonito, gordo, forte... Daí fui pra SP. Mesmo com a carne cara, dava pra se virar. Mas vcs nao sabem a felicidade que eu tive qdo descobri a Atlética da ECA. Lá eu podia organizar de tudo: churrasco, festa, cervejada, reunioes, viagens e até jogos universitários (este eu nunca tinha nem sonhado). Tudo o que pintava eu organizava. Uma vez até tentamos organizar um time de frisbie (como escreve esta merda, ein?), mas a nossa decepçao foi que a Nati Cheung nao tinha nível suficiente de chinês pra entender a treinadora.

Mas a glória veio em Madrid. Agora, meu irmao, eu levo os caras para uma das 3 melhores discotecas da capital espanhola. Grátis e com copa grátis para las Chicas.

Explico: Trampo em uma balada playboy, nem de tenis vc pode entrar. Dois ambientes: um de musica eletronica boa e outro daquele comercial tradicional, um pouco puxado pro español. O meu trampo consiste em levar 10 pessoas por dia pra balada (antes das 2h da matina) e ficar fazendo sala das 3h às 5h45, todas as sextas e sábados. Entao, se conhecer alguém que mora em Madrid ou que quer vir pra Madrid, passe meu email pra ele. Eu arrumo a balada. E nao tem número mínimo nao, qtos vips vc precisar, eu arrumo.

Após 3 semanas deste trampo, posso dizer com segurança: WHAT A FUCK I´M DOING HERE?

Já decorei as músicas; enchi o saco do lugar; os seguranças sao malas; as pessoas sao chatas; a estrutura da balada é uma merda; metade dos amigos que eu convido nao conseguem entrar (padrao ecano é foda!) e, como se nao bastasse, os caras ainda cagam várias regras para nao pagar o que te devem. PUTA Q PARIU!

Pra piorar tudo, nao tenho mais um puto final de semana livre. Aliás, as poucas horas e forças que me restam eu dedico ao grande Cervantes FC, outra BOSTA.

Amanha é sexta e tem mais... o que a gente nao faz por uns trocados... Citanto meu grande amigo Jorge do Amaral D.: "só nao pode ser preso, morrer ou dar o cu".

Corte marroquino

Estava outro dia em Lavapiés. Um dos tantos bairros de Madrid que conseguem agregar com certa harmonia, chineses, subsaarianos, bolivianos, árabes, equatorianos, indianos, e brasileiros.

Estava ali trabalhando. Um trabalho digno: colar panfletos em bares, locutórios, lotéricas e qualquer outro estabelecimento comercial que aceitasse propaganda de aulas de português. Paga pouco, uns 4 euros/hora, mas pelo conheço Lavapiés e descolo uns trocados.

Depois de quatro horas andando pra lá e pra cá resolvi me dar ao luxo de cortar o cabelo. 7 euros o corte. Caro pra caralho, mas ainda assim foi o mais barato que eu vi até agora em Madrid. O salao era só era uma salinha pequena, limpinha até, com duas cadeirinhas de barbeiro, todo espelhado e com uma bandeira do Marrocos bem no alto da parede mal pintada.

Enquanto esperava pela minha vez na fila, entrava e saía gente, falando alto, cumprimentando, dando risada. Uma festa na peluqueria. "Todos clientes", me falou um dos cabeleireiros. Enquanto ele cortava meu cabelo a conversa ia rolando conforme o roteiro brasileiros no exterior: sou do Brasil, quero conhecer Marrocos, gosta de futebol?... e por aí vai.

Em determinado momento o sujeito pára tudo, poe as tesouras no balcao e sai sem falar nada pra salinha do lado, um pouco menor que onde eu estava. 2 minutos e nada dele voltar. 5 minutos e nada. O salao cheio e todo mundo agindo normalmente. 10 minutos e eu lá sentado... Nao aguentei e dei uma espiada na sala. Lá estava meu cabeleireiro marroquino, ajoelhado no seu tapetinho, virado pra Meca, fazendo sua oraçao diária para Alá.

Eu que nao sabia nem onde ficava minha casa e já tinha esquecido metade do pai-nosso fiquei na minha, esperando. Logo o peluquero voltou, e voltou a conversa. Na maior naturalidade. 7 euros, mas uma boa história pra contar. O cabelo ficou igual a todas as vezes que eu cortei em barbeiros. Uma merda. Mas em dois dias eu acostumo e isso nao vai mais me dar trabalho por alguns meses. Isso é o que importa. Fica a liçao: da próxima vez deixa de frescura e passa logo a máquina.

Wednesday, November 29, 2006

Sonho europeu pode virar frustraçao

Praticamente todos os jovens talentos do futebol brasileiro sonham em um dia jogar na europa. Alguns deles, com mais talento e um pouco de sorte, chegam a grandes clubes, como Real Madrid, Milan e Barcelona. Outros, no entanto, se aventuram em times menores e nem sempre têm o retorno esperado. Este é o caso de Tato Carbonaro, atleta do glorioso esquadrao ecano, recém negociado com o Cervantes, time de futsal do campeonato municipal de Madrid.

Tato vinha bem no time ecano. Apesar da idade e peso já avançados, era uma peça fundamental no equilíbrio da equipe: servia de contrapeso para o também gordo Hamilton Cabeça. Em seu jogo de despedida, anotou um dos mais belos gols da história do auri-roxo, abrindo caminho para o inédito título da segundona da USP. Mas uma proposta irrecusável do clube espanhol o levou para as terras de além-mar.

Cervantes FC
O time do Cervantes é o que chamamos aqui no Brasil de um catadao. Um grupo de amigos e amigos dos amigos que se encontram todos os sábados para bater uma bola. A maioria dos atletas nunca jogou futsal e continuam sem conseguir jogar. O capitao da equipe-donodabola, Carlos, é um cara desengonçado, que lembra os tempos em que Tato ainda defendia o Boizao Esporte Clube Barretos, no velho estilo abaixa a cabeça e sai correndo.

Tato, que começou a temporada no banco, já assumiu a sua condiçao de titular absoluto e artilheiro do time, com 2 gols em 4 jogos. Divide a responsabilidade defensiva do time com um colombiano, que diz já ter jogado na segunda divisao da colombia, joga de all-star cano alto e é conhecido pelos adversários como o papei noel do municipal, de tantos presentes que costuma distribuir nos jogos. Já o "portero" da equipe é um inglês, que sabe falar somente duas palavras em espanhol: "Lo siento". Isso sem falar no fominha Alberto e tantos outros que seria melhor nem estarem em quadra.

A Temporada
A equipe vermelha do Cervantes começou a temporada mal, perdendo de 4 a 1 para o time azul (é, os times sao definidos por cores e nao há numero na camiseta. O veterano Tato sempre joga com a sua camiseta da sorte, feita em homenagem a Carlitos Testa). Nesta primeira partida, Tato jogou apenas 5 minutos, mas já percebeu que a coisa era séria.

Na partida seguinte, debaixo de chuva, o Cervantes perdeu de WO, já que logicamente todos pensaram que nao haveria partida, mas por incrivel que pareça, as partidas seguem normalmente com chuva. A quadra tem um piso-lixa, que nem com um dilúvio fica impraticável.

Já no terceiro jogo, a responsabilidade pesou sobre o brasileiro, maior contrataçao da equipe para a temporada 2006/2007. Tato entrou bem na partida, chamou a responsa e abriu o placar: 1 a 0. Logo depois, o colombiano cano-alto foi dar um passe, pisou na bola e deixou de bandeja o gol de empate para a equipe branca. 1 a 1. Tato ainda tentou incentivar o time, mas um peru do goleiro inglês e um outro gol de contra-ataque mataram a equipe. Final 3 a 1.

A quarta rodada era decisiva para o Cervantes. Só uma vitória poderia tirar a equipe do buraco. O dia amanheceu chuvoso, mas todos estavam presentes. Como diria um outro veterano e ex-jogador ecano: "jogamos como nunca e perdemos como sempre". Outro 4 a 1, e gol mais um gol de Tato.

"Vim para o Cervantes por ser uma porta de entrada para o futebol europeu. Espero nao ter que ficar aqui por mais de uma temporada. Corro igual um condenado e meu time é só decepçao", declarou Tato em tom melancolico.

Com a decepçao espanhola, o atleta já faz planos para voltar ao Brasil. "Com certeza volto ao Brasil para a temporada de 2008. O título do Juca ainda é um objetivo. Quero pendurar as chuteiras defendendo as cores da ECA, time que defendi por muitos anos e que me deu a oportunidade de aparecer para o mundo".

"Tato sempre foi muito querido pela torcida e respeitado por seus companheiros, além de ser um ótimo jogador. Ele sempre será bem-vindo aqui", declarou Thiaguinho, atual presidente do clube. Só nos resta torcer para que 2008 chegue logo!

Sunday, November 19, 2006

Tá feito...

É isso, amigos ecanos na Europa: o blog tá no ar, o endereço é fácil, a senha eu mando pra vocês. Mas precisa escrever. Somos milhares de ecanos espalhados pela Europa e precisamos manter esse blog vivo. Escreveremos sobre o que quisermos, relatos de viagem, saudades de casa, a vida no exterior, contos, ficção e o caralho.

Aproveitem o espaço com cautela.